Neste dia, não fui à aula.
Fazia uma bela tarde de sol, e a casa estava vazia. Ninguém
além dos gatos, nem o Moshe. Como eu gosto do silêncio! Na balbúrdia em que
vivemos, muitas vezes até esqueço o prazer e a paz que ele me dá. Ficar quieta,
calada. Sem vozes, música, carros... Apenas o som dos pássaros voando, o vento
passando pelas árvores, o virar das páginas do livro, o palpitar da minha
própria existência.
Estirei-me na piscina e ali fiquei, não sei dizer por
quanto tempo, apenas sentindo o delicioso calor do sol do inverno, ativando
todas as minhas células, energizando os meus chakras. Que delícia é estar só,
eu e a natureza, eu e os gatos, eu e o Paulo.
Desde que me lembro, sempre senti uma necessidade de
momentos apenas meus, mas vinha acompanhada de um medo profundo da solidão.
Medo de ser abandonada, de não ser importante, de ser esquecida, sozinha.
Precisava sentir que o estar só era uma escolha, não uma condição. E demorei
para entender que não era bem assim...
A solidão é condição
essencialmente humana. Nascemos sós e morremos sós, e durante o tempo em que
aqui estamos – dotados dos incríveis cinco sentidos que nos proporcionam tanto
prazer –, realizamos encontros e passamos por experiências que nos vão construindo como os seres que
somos. Vamos trazendo para o nosso campo aquilo que nos completa, e vamos
deixando para trás o que não nos faz mais sentido.
Acontece que, nesse processo,
muitas vezes nos apegamos à presença do outro, e nos deixamos esquecer do modo
como chegamos e depois partiremos... nos acostumamos com a ideia de não estar
tão sós assim, e a possibilidade de voltar a essa sensação primordial é um
pouco assustadora. Mas quando ultrapassamos a primeira barreira do medo, depois
de alguns passos no escuro, conseguimos vislumbrar uma primeira claridade logo
adiante...
Quando deixamos de olhar para a
nossa solidão a partir do medo e, ao invés disso, aceitamos a sua presença e a
acolhemos como parte de nós, ela se torna única, pessoal e – pois é! –
necessária. Aceitando-a como condição humana que é, inerente a todos nós,
compreendemos que, por mais que cada um a sinta de uma forma particular, o que
de mais profundo nos conecta uns aos outros é o saber que, mesmo sós,
compartilhamos esse sentimento. E aí vem a ironia do Universo: o quão mais
próximos podemos chegar de nós mesmos, o mais próximo podemos chegar do outro.
E a solidão não é mais só, é compartilhada. A necessidade do outro é
substituída pela necessidade de si, porque quando estamos conosco, estamos com
o Todo.
Ao trilhar por esse caminho,
vamos compreendendo, da própria experiência, que uma relação sincera com a
nossa solidão elementar é o que nos dá a estabilidade necessária para vivermos
no amor. Não é possível o auto amor sem a aceitação dessa condição básica, e
não amando a si mesmo, não se é capaz de amar a nada de forma pura, sem
cobranças, sem transferências...
A solidão é o isolamento
essencial a que se refere Winnicott, o que nos sustenta diante da “montanha
russa de sentimentos e sensações” a que o ímpeto celeste do amor nos move,
elevando-nos à condição divina da existência. É o aspecto mais profundo de
todas as nossas sombras que, aceito e compreendido, transforma-se na mais
necessária ferramenta de auto conhecimento.
Mesmo agora, tendo entendido e
vivenciado muito do que antes me era mistério, me pego ainda muitas vezes às
voltas com a ansiedade gerada pelos meus medos, pela zona de penumbra que
acompanha toda a luz. Mas é diferente; é ansiedade, não é angústia. E é leve, é
pleno. Faz parte de mim...